Economia prateada: geração 50+ transforma hábitos de consumo e movimenta R$ 1,8 trilhão
- Marketing ASBRAFE
- há 19 horas
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Público maduro está redefinindo costumes, desafiando estereótipos e impulsionando novos mercados com protagonismo e autenticidade

Eles têm mais de 50, acumulam experiência, poder de compra e estão reinventando o trabalho, o consumo e a comunicação. É nesse cenário que cresce no Brasil a economia prateada — um movimento que tenta acompanhar as transformações impulsionadas pela geração que não quer parar. No Brasil, o mercado sênior contribui em 39% do PIB e movimenta mais de R$ 1,8 trilhão por ano, segundo pesquisa do Data8.
Professor de MBAs na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Kanter, explica que, nas próximas décadas, será vista uma transição demográfica que altera profundamente a estrutura econômica e social do País: "O envelhecimento populacional é uma tendência irreversível no Brasil. A produtividade terá que ser compensada com tecnologia, inovação e aumento de capital humano."
Somente as pessoas com 60 anos ou mais já somam 32 milhões no Brasil, o equivalente a 15,6% da população, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O aumento de 40% da expectativa de vida nas últimas seis décadas revela uma oportunidade para empresas que querem focar em um setor pouco visto pelo mercado.
Para a cofundadora do Data8, Cléa Klouri, há uma crença equivocada de que o público maduro é resistente à tecnologia ou pouco relevante em termos de consumo. "Apesar de alguns avanços, a maioria das empresas ainda está despreparada para atender o público 50+. Em muitos casos, o desconhecimento sobre esse consumidor leva a decisões baseadas em estereótipos ou em suposições ultrapassadas", alerta.
etores tradicionalmente associados ao envelhecimento, como saúde e habitação, seguem liderando a atenção do mercado, reflexo direto do aumento da longevidade e das novas dinâmicas familiares. No entanto, áreas como educação, tecnologia, finanças, bem-estar e especialmente a "economia do cuidado" despontam como vetores de crescimento nos próximos anos. "A demanda por cuidadores e serviços de apoio à autonomia, sejam eles familiares ou profissionais, está em plena expansão", comenta Cléa.
Outro ponto de virada está na valorização do aprendizado contínuo. A educação ganha força entre os maduros que desejam, ou precisam, se manter ativos no mercado de trabalho, pressionados por mudanças em um sistema educacional ainda muito voltado aos jovens.
"A economia brasileira precisará se adaptar a um novo paradigma de crescimento que considere o envelhecimento não como ônus, mas como oportunidade", afirma Kanter.
O mercado já acordou para a potência 50+?
Embora o interesse pelo público acima de 50 anos tenha aumentado, poucas empresas reconhecem a longevidade como oportunidade estratégica. Segundo Daniela Ferreira, professora titular de Administração na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integrar a geração 50+ nas análises de mercado e no desenvolvimento de produtos e serviços pode ser um fator vantajoso. "Isso não só amplia o mercado-alvo, mas também possibilita uma produção mais inclusiva, além de fidelizar consumidores que foram historicamente negligenciados", destaca.
A influenciadora Olivia Cruz, de 59 anos, afirma que não se sente representada nas campanhas de turismo, moda ou produtos de beleza. "Os dermocosméticos de skincare são voltados para mulheres mais velhas, mas as propagandas usam modelos de 30 anos sem uma ruga. Na publicidade de moda, é igual. Ninguém quer colocar uma mulher mais velha nas campanhas, mesmo quando o produto é para essa faixa etária", avalia.
Olivia criou o blog de viagens "Olivia garimpando por aí" (@garimpandoporai) em 2011. Ela conta que o site surgiu como um hobby e, com o tempo, transformou-se em um negócio que busca inspirar, especialmente mulheres 50+, a praticar um turismo "responsável e regenerador". "A publicidade do turismo ainda precisa melhorar muito. Tem um núcleo desse mercado que acha que o 50+ tem que ir para Caldas Novas e ficar em água termal. O turismo precisa respeitar as individualidades. O surfista surfa aos 20 e também aos 60 se ele quiser", diz.
Considerar a economia prateada um nicho devido a estigmas limita o crescimento das marcas perante esse público. "No Brasil, estima-se que até 2030 mais de 30% da população terá mais de 50 anos. Encarar esse público como central, e não periférico, permite às empresas diversificar portfólios, explorar novas categorias e reposicionar marcas de forma mais inclusiva e sustentável", explica Daniela Ferreira.
A cofundadora do Data8 analisa que a falta de preparação das empresas diante do aumento da expectativa de vida cria um vácuo enorme de inovação. "Os negócios que entenderem esse movimento agora, com profundidade e respeito, sairão na frente nos próximos anos", alerta.
No setor da moda, por exemplo, a maturidade ainda enfrenta resistência. Apesar do poder de compra expressivo e do desejo por estilo e autenticidade, mulheres maduras continuam sub-representadas nas campanhas, nas araras e na comunicação das grandes marcas.
"Parece que o mundo em si para gente jovem", diz a influenciadora de moda e dona do perfil @chiqueaos50, Helena Filippini, de 64 anos. "Fazem propaganda de cosméticos e colocam uma menina nova. Não é a realidade. Isso é muito chato, porque as pessoas mais velhas acabam se sentindo inibidas de se mostrar", completa.
Para Helena, a fase madura da vida deveria ser vista como um momento de liberdade, não de invisibilidade. "A gente já criou filho, já é avó. Agora o foco é na gente. No nosso eu. Nós estamos presentes. Temos poder aquisitivo, passamos por sacrifícios e agora queremos pensar na gente", reflete, ressaltando o potencial de consumo frequentemente subestimado pelas marcas.
Além de reivindicar espaço, Helena questiona a padronização estética que domina a publicidade e as vitrines. "A moda tem que se adaptar à nossa realidade, não o contrário", diz. Na visão da influencer, não basta lançar produtos para esse público; é preciso mudar o olhar, a comunicação e o respeito à diversidade de corpos, estilos e experiências.
Adaptação de mercado
Enquanto o mercado insiste em falar com jovens, quem de fato movimenta boa parte da economia continua sendo ignorado. Mulheres e homens com mais de 50 anos estão reformulando o consumo com escolhas conscientes, foco em qualidade e estilo próprio, mas a maioria das marcas ainda não se adaptou a essa nova realidade.
Helena acredita que a comunicação das marcas ainda é excessivamente voltada para os jovens. Olivia observa que a publicidade continua presa a estereótipos antiquados. Na contramão dessa lógica, surgiu a Silver Makers, uma agência especializada em marketing de influência focado em criadores de conteúdo com 45 anos ou mais.
"Percebemos que as redes sociais têm um papel importante no envelhecimento ativo e que muitas marcas queriam se comunicar com o público 50+, mas não sabiam como. Decidimos ajudar criadores a monetizar seus perfis e, ao mesmo tempo, conectar as marcas a esse novo consumidor", explica Márcio Weiler, sócio da agência.
Está enganado quem pensa que os mais velhos não estão conectados nas redes. As pesquisas do Data8 mostram que 77% dos brasileiros com 50 anos ou mais acessam a internet todos os dias. É um público conectado e ativo no ambiente digital. "O desafio é que muitas marcas ainda subestimam a presença digital dessa geração, o que pode custar caro em relevância e em vendas", diz Cléa Klouri.
Weiler considera a economia prateada um território pouco explorado por muitos setores. "Isso impacta diretamente a forma como se escolhem influenciadores e se desenham campanhas. Nosso papel é justamente esse: abrir os olhos das marcas e das agências para o tamanho da oportunidade", diz.
Em relação aos erros cometidos pelas empresas, Daniela Ferreira cita: estereótipos que caracterizam o envelhecimento de forma caricata, comunicação condescendente e ignorar a heterogeneidade, tratando o público 50+ como um bloco homogêneo, sem considerar diferenças de estilo de vida, saúde, renda e preferências.
"O envelhecimento não é homogêneo. As pessoas são diferentes, com gostos e trajetórias únicas", comenta Olivia. Enxergar a população 50+ como um bloco único é desconsiderar as profundas desigualdades que existem dentro dessa geração. Kanter comenta que políticas públicas precisam ser mais assertivas e inclusivas, e que as empresas também têm responsabilidade em criar soluções acessíveis e modelos de negócio que não excluam essa maioria — caso contrário, há o risco de se criar uma economia prateada para poucos.
"Trata-se de um grupo com alto poder de compra, mas aqui preciso fazer uma ressalva. Vivemos em um país desigual, então também temos uma parcela que vive com renda próxima ao salário mínimo e muitas vezes ainda trabalha informalmente para complementar a aposentadoria", explica Daniela.
Sobre os acertos, a professora de Administração menciona a inovação acessível, como tecnologias adaptadas e o foco em bem-estar. Ela esclarece que esses pontos exigem um marketing mais personalizado e baseado em valores: "O consumidor 50+ de hoje é mais conectado e utiliza redes sociais, aplicativos e e-commerce. Busca experiências e bem-estar e valoriza autonomia e longevidade ativa."
Cléa complementa que é necessário um marketing que conecte com a realidade. "Não se trata só de mostrar cabelos brancos na propaganda, mas de reconhecer esse público como consumidor plural, ativo e diverso", pontua.
Mercado de trabalho
A economia prateada influencia diretamente o mercado de trabalho ao valorizar a participação ativa desse grupo na economia. À medida que a população envelhece e permanece saudável por mais tempo, cresce também o número de pessoas maduras que desejam ou precisam continuar trabalhando.
A Pesquisa de Etarismo 2024, realizada pela Catho, revelou que 32% dos respondentes percebem o mercado de trabalho como retraído para profissionais mais velhos. Apesar do discurso sobre diversidade e inclusão, ainda há barreiras para profissionais acima dos 50 anos no mercado de trabalho. Além disso, 61% das empresas não têm programas voltados para esse público, e 40% dos gestores ainda mostram resistência em contratá-los ou desenvolvê-los.
O estudo ainda mostra que 69% acham que perderam algumas oportunidades de emprego devido à idade e 55% já sentiram que habilidades foram subestimadas no ambiente corporativo ou em entrevistas. "As companhias precisam implementar programas de conscientização sobre diversidade etária, revisar seus processos seletivos para eliminar vieses e oferecer oportunidades reais", explica Christiana Mello, diretora de Growth B2B Pequenas e Médias Empresas da Catho. "Os profissionais 50+ carregam uma bagagem relevante e que agrega valor para as empresas, com experiência, ética e resiliência como melhores qualidades", ressalta.
Christiana destaca que alguns setores têm absorvido cada vez mais profissionais com mais de 50 anos, especialmente aqueles que valorizam a experiência e a estabilidade, como os de serviços, indústria, comércio e saúde.
O setor de Recursos Humanos tem um papel central na promoção de processos seletivos mais inclusivos e no combate ao etarismo nas empresas. A especialista em RH Camila Charles explica que muitos profissionais 50+ enfrentam barreiras invisíveis sentem a necessidade de esconder ou justificar a idade para sequer serem considerados.
amila alerta para outro fator pouco discutido, mas muito presente: o viés de afinidade. "Gestores mais jovens, que hoje ocupam posições de liderança e participam ativamente das decisões de contratação, tendem a se identificar com candidatos que lembram a si mesmos", explica. Ela comenta que, inconscientemente, eles enxergam mais "potencial" nesses perfis por essa identificação, o que dificulta ainda mais o avanço dos profissionais maduros nos processos seletivos.
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