Projeção baseada no confronto do aquecimento no 1º semestre com demanda comedida no 2º
“Típico do Brasil é todo ano ser atípico”, costuma dizer José Ricardo Roriz Coelho, presidente do conselho de administração da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). E 2024 não vem destoando da máxima do dirigente, ilustram fatos inusuais como a enchente de maio no Rio Grande do Sul, o encarecimento e escassez do frete marítimo Ásia-Brasil, uma múlti da reciclagem em recuperação judicial (Valoren) ou o mercado brasileiro içado ao terceiro lugar no pódio dos maiores importadores de PP da China no primeiro semestre. Na entrevista a seguir, Roriz lê nas entrelinhas desta típica conjuntura atípica.
Qual a sua estimativa da produção nacional e do consumo aparente de transformados no primeiro semestre versus mesmo período em 2023 e qual a expectativa agora para o exercício completo de 2024?
No primeiro semestre do ano foram produzidas 3,6 milhões de toneladas de transformados plásticos, crescimento de 5,9% frente aos seis meses iniciais de 2023. Observamos um incremento mês a mês na produção do setor transformador, configurando assim um período bem melhor que o de janeiro a junho do ano passado. Além disso, constatamos ao longo do primeiro semestre um aumento nas importações de produtos acabados da ordem de 28% frente ao mesmo período do exercício anterior. No cômputo geral, a demanda brasileira por transformados plásticos fechou o primeiro semestre 8,4% acima do registrado na primeira metade de 2023.
Mesmo com esse desempenho forte de crescimento no primeiro semestre, nossa expectativa é de que a produção física do setor no exercício completo de 2024 fique 1,5% à frente do saldo de 2023, considerando que o segundo semestre em andamento será comparado com o do ano anterior, que estava mais forte.
Como avalia o impacto da enchente de maio no Rio Grande do Sul sobre o desempenho da transformação local?
Entre as mais de 1.300 empresas transformadoras do Rio Grande do Sul, 48 ficam na capital. Houve paradas não apenas pelas enchentes, mas devido à capacidade logística. Nossas estimativas apontam que o setor local deixou de faturar R$ 680 milhões em maio. Não estão contabilizados nesses valores os custos com potenciais reformas e recuperação dos ativos nas áreas degradadas.
No primeiro semestre, as importações brasileiras de PVC rondaram 300.000 toneladas e as de PP + PEs se aproximaram de 1.420 milhão de toneladas. Os números refletem a pressão da superoferta mundial dessas resinas e a produção nacional aquém do consumo doméstico. Por que a Abiquim clama então por se aumentar as já altas tarifas de importação se a oferta interna não atende 100% a demanda de PE, PP e PVC?
Acompanhamos o aumento de importações de resinas nesses primeiros meses, mas atribuímos esse aumento a fatores como os seguintes:
Demanda doméstica por produtos transformados teve um bom desempenho nesse início de ano e, realmente, em mercados onde a oferta local não é suficiente, caso de PVC, teremos reflexos nos aumentos das importações.
Vimos que os preços domésticos de resinas aumentaram mais do que o comportamento do preço internacional, o que por si só já faz o empresário buscar alternativas competitivas.
Aliada às pressões por potenciais altas nas alíquotas alfandegárias, a questão do preço internacional mais competitivo antecipou uma série de operações de importações. Nesse cenário, interpretamos o aumento delas como consequência de condições de mercado e por decisões de precificação adotados pela própria petroquímica nacional.
Quanto aos pleitos de elevação tarifária para matérias-primas plásticas, tais aumentos têm o objetivo claro de proteger margens da indústria interna de resinas em detrimento de altos custos para todo o mercado a jusante da cadeia industrial.
A reforma tributária caminha para favorecer ainda mais o atrativo fiscal para investimentos na Zona Franca. Isso deve intensificar mais a instalação de plantas de transformadores no polo de Manaus? E quais as prováveis consequências para transformadores menos capitalizados do Sul e Sudeste?
A manutenção do modelo da Zona Franca é constitucional, por isso essa tentativa de preservação de benefícios na reforma tributária. Nossa critica está no fato da possibilidade de permanência do IPI sobre produtos produzidos por empresas no polo de Manaus. Manter um tributo específico sobre produtos apenas considerando que já são produzidos na Zona Franca tem potencial de ampliar a distorção entre estes bens em relação aos sucedâneos fabricados fora daquela área incentivada. O Projeto de Lei Complementar 68/2024 que regulamenta a reforma tributária está no Senado e ainda pode sofrer ajustes.
Pelo acompanhamento da Abiplast, quais foram os respectivos preços médios internos e internacionais de PP, PEs e PVC no início de janeiro e no final de junho último?
No início do ano, os preços de importação de PP flutuavam em torno de US$ 1.204/t. kg, enquanto o praticado no Brasil era próximo de US$1.970/t. Já em julho o preço do mesmo material importado estava próximo a U$1.250/kg enquanto a referência no Brasil era de US$1.980/t. Importante deixar pontuado a diferença entre esses preços e a forte pressão cambial observada de junho em diante. O transformador brasileiro já sofreu durante este ano com aumentos que variam de 10% a 15% no caso de PE e PP e até 30% no caso de PVC.
Poderia explicar, passo a passo e claramente, o funcionamento da plataforma de rastreio de resíduos plásticos – Recircula Brasil – desde a coleta ao segundo uso do polímero recuperado? Quem fará o mapeamento em escala nacional para conectar notas fiscais eletrônicas? Quais outros países empregam essa plataforma?
Recircula Brasil consta de uma plataforma online, lançada pela Abiplast e a Agência Brasileira de Desenvolvimento industrial (ABDI), pela qual as empresas poderão atestar o uso e o conteúdo reciclado em seus produtos por meio de um controle feito por uma terceira parte (no caso pela gestão do Recircula Brasil) das operações de compra de resíduos e venda de produtos reciclados por meio de notas fiscais.
A plataforma rastreará a aquisição de resíduos pós-consumo ou industrial, desde que sejam comercializados, e a transformação desse material em resinas recicladas/ou produtos reciclados. O sistema fará o cruzamento dessas informações, o balanço dessas massas e fornecerá o mapeamento dos processos utilizados. Aliás, o mapeamento é realizado pela tecnologia desenvolvida e os dados são guardados e verificados pela ‘Central de Custódia’. Ela possui o sistema para verificação dos dados de logística reversa e hoje é a operadora de tecnologia do Recircula Brasil. É uma plataforma virtual sem sistema similar mundial e reconhecida pela ONU. A tecnologia de nota fiscal eletrônica também é única e permite que o rastreio seja efetuado pelo controle das operações.
A informalidade grassa na cadeia brasileira de reciclagem e recicladores também recorrem à sonegação na concorrência com a resina virgem hoje no nível acessível da reciclada. Como a plataforma Recircula Brasil pode influir para mudar essa conjuntura?
O Recircula Brasil foi pensado antecipando a iminência de uma regulamentação da obrigatoriedade de conteúdo reciclado em produtos transformados. Nesse caso, a informalidade do setor de reciclagem será combatida exatamente pelo critério do uso do documento fiscal da operação de compra ou venda (nota fiscal eletrônica devidamente validada). Serão computadas e validadas pelo Recircula Brasil apenas as informações ‘legais’ sobre produção e venda de itens reciclados. Ou seja, os dados apresentados nas notas de compra e origens dos resíduos e notas de venda dos itens resultantes, sejam resinas recuperadas ou produtos com conteúdo reciclado.
Quais as vantagens proporcionadas pela plataforma à cadeia industrial, ao consumidor final e ao combate à poluição plástica?
A validação e rastreio das operações via Recircula Brasil visam:
atestar o uso de conteúdo reciclado, evitando assim greenwashing ou informações divulgadas no mercado sem lastro/comprovação.
incentivar a formalidade e o adensamento da cadeia (haja vista que somente serão validadas operações ‘legais’).
auxiliar na identificação de gargalos passíveis de inspirar políticas públicas para estimular investimentos na cadeia recicladora (em políticas públicas e no tocante a legislações incentivadoras de inversões, como os incentivos fiscais do Decreto 12.106/2024)
Fonte: “A produção da indústria transformadora deve crescer 1,5% este ano”, prevê José Ricardo Roriz Coelho, da Abiplast - Plásticos em Revista (plasticosemrevista.com.br)
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